sexta-feira, 23 de março de 2012

Silva, Roberto Silva


Hoje consegui o ultimo item que faltava para a minha coleção. Passei a manhã toda só olhando para ele admirado pela sua beleza singular. Octopussy and The Living Daylights, o último da série criado por Ian Fleming.
            Não me considero um colecionador, pra mim, colecionadores são aqueles que gostam de acumular coisas inúteis, ou coisa úteis que nunca usam. Eu não sou assim, tenho apenas uma coleção e já a usei diversas vezes. E hoje finalmente a completei. O último item veio a mim de uma forma peculiar, uma tia distante o achou enquanto organizava o porão, e, sabendo da minha fixação, achou que seria um bom presente.
            Chego no trabalho e imediatamente tento lê-lo, mas é impossível, por algum motivo hoje é o dia do ano em que as pessoas mais precisam de mim, problemas com um carregamento, clientes reclamando de tudo, diversos itens faltando no estoque, uma bagunça, mas finalmente acabou. Agora posso ler em paz, a expectativa é tanta que nem penso em ir para a casa, vou ler aqui mesmo,  depois de saciar um pouco meu desejo por letras, eu vou pra casa.
            Não estou nem na metade do primeiro conto ,quando ouço um choro e alguém gritando do lado de fora da loja. Corro pra ver o que é, e vejo um homem apontando um revolver para uma mulher, não sei o que deu em mim, acho que foi o agente 00 me inspirando, mas não pude ver aquilo acontecer, peguei um pedaço de metal que usamos para trancar a loja, e ataquei o assaltante, vi o sangue e alguns dentes voarem pela sua boca, depois, antes que ele pudesse esboçar qualquer reação além de dor, acertei a mão que ele segurava o revolver, e a próxima coisa que vejo é ele correndo com a mão cobrindo a boca cheia de sangue.
            Depois disso, minha leitura foi arruinada. A policia chegou, fui até a delegacia, prestei meu depoimento, tive que assinar um monte de papéis e quando vi já estava na hora que eu devia ir dormir. Chego em casa, tomo um banho, pego meu livro e me preparo pra ler. Acordo no outro dia com o livro aberto em cima do peito, na mesma página que abri na noite anterior.
            No trabalho os problemas continuam a me atrapalhar, o natal já passou, mas se você trabalha em uma livraria sabe que os dias depois também são um inferno, não sei quem inventou essa moda de dar vales presentes, mas eu o odeio. Todos os anos depois do natal as pessoas vem gastar seus vales, e trocar livros de auto ajuda por algo mais interessante.
            De novo resolvo ler depois do trabalho, mas dessa vez me tranco no meu escritório, para que o mundo exterior não atrapalhe minha leitura. Consigo passar horas lendo sem que nada me incomodasse, estou completamente imerso no livro e deve ser por isso que não ouço as portas da livraria sendo abertas, ou os passos em direção ao meu escritório, mas ouço a porta a minha frente sendo aberta com um chute violento. Ainda segurando o livro olho por cima da capa para ver o que está acontecendo, vejo um rosto inchado com uma grande costura na bochecha, uma mão enfaixada, um revolver. O tiro atravessa a capa do livro.
            Caio em cima da mesa, minha cabeça em cima do meu livro, sem poder me mexer, vejo o buraco da bala na capa do livro. E o sangue lentamente escorre, cobrindo o buraco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário